domingo, 27 de setembro de 2009

Mecanismo venenoso

Agência FAPESP – O escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) é considerado uma das espécies mais perigosas no país, responsável por muitos casos de envenenamento, principalmente em crianças. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), divulgados em junho, dentre os quase 21 mil envenenamentos por animais peçonhentos registrados em 2007, os escorpiões contribuíram com cerca de 6 mil.

Ainda não se sabe ao certo quais os mecanismos pelos quais o veneno atua nem de que forma suas toxinas desencadeiam o processo inflamatório cujos sintomas envolvem febre, dor e edema pulmonar que podem levar à morte. Mas uma pesquisa feita na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, tenta isolar e caracterizar quimicamente a fração presente no veneno responsável pela dor e febre.

Segundo a autora da pesquisa, Andréa Carla Pessini, a compreensão desses mecanismos permitirá um tratamento direcionado para reduzir a dor, a febre e, possivelmente, a mortalidade em humanos, principalmente em crianças.

“Acreditamos que as abordagens do estudo, além de facilitar o entendimento sobre o mecanismo pelo qual as toxinas do veneno exercem seus efeitos, poderão acrescentar evidências sobre o mecanismo de ação das drogas antiinflamatórias e sobre a eficácia de cada uma delas”, disse à Agência FAPESP. Parte dos resultados foi publicada na revista Toxicon.

O estudo corresponde à pesquisa de pós-doutorado de Andréa na FCF, com bolsa da FAPESP, que integra o projeto de Auxílio à Pesquisa – Regular intitulado “Isolamento e caracterização bioquímica da fração responsável pelo efeito pirogênico e nociceptivo presente no veneno do escorpião Tityus serrulatus”, coordenado por Gloria Emília Petto de Souza, professora titular e chefe do Departamento de Física e Química da FCF.

Segundo o estudo, o veneno contém proteínas básicas de baixo peso molecular com ação lesiva sobre o sistema nervoso (atividade neurotóxica), além de enzimas como a hialuronidase e outros constituintes em menor quantidade como a histamina e serotonina, esses últimos envolvidos no processo da dor e da inflamação.

As hialuronidases são produzidas por uma variedade de organismos causadores de doenças, incluindo bactérias. Essas enzimas também são encontradas em sanguessugas, em venenos de serpentes e insetos e em tecidos malignos.

“A presença dessas enzimas em venenos de animais tem a função de facilitar a difusão das toxinas para dentro dos tecidos com maior rapidez, contribuindo para o envenenamento sistêmico e restringindo a eficácia dos antivenenos, caso estes não sejam injetados tão logo ocorra o acidente”, explicou Andréa.

Segundo ela, essas enzimas têm sido empregadas terapeuticamente por serem facilitadoras da difusão de líquidos injetáveis, “agindo de forma a reduzir temporariamente a viscosidade do tecido conjuntivo, tornando-o mais permeável à difusão de líquidos”.

Nos testes feitos em camundongos, a injeção contendo veneno do Tityus serrulatus produziu sinais sistêmicos (na circulação sanguínea) e locais, como os observados em vítimas de picadas, com destaque para febre, dor intensa e edema local e pulmonar.

“A reação sistêmica, que é induzida por um conjunto de mediadores originados do foco inflamatório – entre eles as citocinas (proteínas que alcançam a circulação e ativam vias neurais locais) –, origina a resposta de fase aguda na qual o sinal clínico aparente é a febre”, disse.

Drogas eficazes

O veneno de outras espécies de escorpiões como o Heterometrus bengalensis ou o Leiurus quinquestriatus provoca o aumento de cininas plasmáticas que, por sua vez, culmina na liberação de outros mediadores, como síntese de citocinas e de óxido nítrico.

De acordo com a pesquisadora da USP, o grupo também verificou que a injeção do veneno do Tityus serrulatus, bem como de sua toxina isolada, em ratos e camundongos, promove uma resposta sistêmica e local, expressada pelo aumento do número de neutrófilos locais e circulantes, de proteínas de fase aguda e de citocinas.

“Posteriormente, investigamos outros parâmetros da resposta de fase aguda, entre eles a febre, que é o sinal clínico mais evidente em várias situações e capaz de alterar reações orgânicas, como, por exemplo, a atividade das enzimas que degradam os neurotransmissores”, disse.

O aumento de temperatura corporal que ocorre após a picada de escorpião é considerado hipertermia. Mas o estudo aponta que esse aumento se trata de uma resposta febril, uma vez que foi acompanhado de vasoconstrição periférica, no caso medida pela redução da temperatura da pele da cauda dos ratos.

“Embora o veneno do Tityus serrulatus induza uma resposta febril tão intensa que atinge em torno de 40ºC no seu pico máximo, os antipiréticos, cujo mecanismo de ação é bloquear a síntese de prostaglandinas (moléculas de origem lipídica), não alteram essa resposta, sugerindo que as prostaglandinas não participam desta resposta", disse.

Mas, nos testes, a dipirona usada aboliu a febre, sugerindo outro mecanismo de ação. “Teria a dipirona alguma implicância no sistema cininérgico ou afetaria diretamente a neurotransmissão dolorosa?”, questiona a pesquisadora ao levantar a hipótese.

De acordo com Andréa, o conjunto de resultados nos testes permite dizer que a resposta sistêmica ou local induzida pelo veneno envolve os mesmos mediadores que ocorrem nas vítimas. Mas ainda não se conhece a substância presente no veneno responsável pelo processo.

“Essa descoberta poderá nos levar a tratamentos específicos nos casos de envenenamento pelo veneno do escorpião Tityus serrulatus, além de facilitar o entendimento sobre o mecanismo pelo qual as toxinas do veneno exercem seus efeitos. O estudo poderá acrescentar evidências sobre o mecanismo de ação das drogas antiinflamatórias e sobre a eficácia de cada uma delas nestes modelos experimentais, bem como a descoberta de uma ferramenta farmacológica de suma importância para a pesquisa”, disse.
fonte:www.agencia.fapesp.b

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